Mateus 1: A Genealogia e o Nascimento de Jesus
- Rodrigo Guerra

- 9 de jul.
- 5 min de leitura
Atualizado: 14 de jul.
O primeiro capítulo do Evangelho de Mateus serve como um portal de entrada para a narrativa mais abrangente da vida e obra de Jesus Cristo. Longe de ser uma mera lista de nomes ou um relato factual do nascimento, Mateus 1 é uma declaração teológica profunda que estabelece a identidade de Jesus como o Messias prometido e o herdeiro legítimo do trono de Davi. Este capítulo, dividido em duas seções principais – a genealogia (versículos 1-17) e o nascimento de Jesus (versículos 18-25) –, tece uma tapeçaria rica em significado histórico, profético e salvífico. Nosso estudo explorará as nuances exegéticas e as implicações teológicas que tornam Mateus 1 fundamental para a compreensão da fé cristã.
A Genealogia de Jesus Cristo (Mateus 1:1-17)
A genealogia inicial de Mateus não é apenas um registro genealógico, mas uma afirmação teológica deliberada sobre a linhagem de Jesus. Ele é apresentado como "filho de Davi, filho de Abraão" (v. 1), estabelecendo imediatamente sua conexão com as promessas messiânicas e alianças divinas.
1. Estrutura e Significado Numérico
Mateus organiza a genealogia em três grupos de quatorze gerações (v. 17):
De Abraão a Davi: 14 gerações.
De Davi ao exílio na Babilônia: 14 gerações.
Do exílio na Babilônia a Cristo: 14 gerações.
A repetição do número quatorze é significativa. Na gematria hebraica, o valor numérico do nome "Davi" (דוד - dalet-vav-dalet) é 4+6+4=14. Isso reforça a ideia de que Jesus é o descendente davídico por excelência, o Messias esperado que cumpriria todas as promessas feitas a Davi. A estrutura intencional de Mateus destaca a providência divina na condução da história da salvação.
2. Inclusão de Mulheres
Um aspecto notável e incomum para uma genealogia judaica da época é a inclusão de quatro mulheres: Tamar, Raabe, Rute e a mulher de Urias (Bate-Seba). Esta inclusão é teologicamente rica:
Tamar (v. 3): Sua história envolve engano e violação de costumes, mas resulta na preservação da linhagem.
Raabe (v. 5): Uma prostituta cananeia que se converteu e ajudou o povo de Israel.
Rute (v. 5): Uma moabita, estrangeira, que demonstrou lealdade e fé.
Bate-Seba (v. 6): Mencionada indiretamente como "a mulher de Urias", aludindo ao pecado de Davi.
A presença dessas mulheres, muitas das quais com histórias que envolvem irregularidades ou são estrangeiras, sugere a graça soberana de Deus que opera através de pessoas imperfeitas e que a salvação em Cristo não se limita apenas aos judeus, mas se estende a todas as nações. Antecipa também a natureza universal da missão de Jesus.
3. Ênfase Messias-Rei
A genealogia culmina em "Jesus, chamado o Cristo" (v. 16), com o termo "Cristo" (Χριστός) sendo a transliteração grega de "Messias" (מָשִׁיחַ), que significa "Ungido". Mateus apresenta Jesus não apenas como um descendente, mas como o cumprimento definitivo das promessas divinas ao povo de Israel, especialmente no que diz respeito ao rei davídico.
O Nascimento de Jesus Cristo (Mateus 1:18-25)
Esta seção descreve os eventos que cercam o nascimento de Jesus, focando na perspectiva de José e na intervenção divina.
1. A Retidão e a Decisão de José (v. 18-19)
José é descrito como "justo" (δίκαιος). Ao descobrir a gravidez de Maria antes de se unirem, e sabendo que o filho não era dele, sua retidão o levaria a repudiá-la publicamente conforme a lei. No entanto, ele decide fazê-lo "secretamente", para não a expor à vergonha e possível apedrejamento. Essa atitude revela a competição de sua caráter e sua consideração pela honra de Maria, mesmo em face de uma situação incompreensível para ele. A justiça de José é temperada com misericórdia.
2. A Intervenção Angelical e a Natureza do Nascimento (v. 20-21)
Um anjo do Senhor aparece a José em sonho, revelando a origem divina da gravidez de Maria: "o que nela está gerado é do Espírito Santo" (v. 20). Essa declaração é fundamental para a doutrina da concepção virginal, afirmando que Jesus não nasceu por meios naturais, mas por uma obra sobrenatural do Espírito de Deus. Isso sublinha a singularidade e a divindade de Cristo.
O anjo também instrui José a dar ao menino o nome "Jesus" (Ἰησοῦς), que significa "o Senhor salva" ou "Deus é salvação" (uma forma grega do hebraico Yeshua/Joshua). A razão para o nome é explícita: "porque ele salvará o seu povo dos pecados deles" (v. 21). Aqui, o propósito central da vinda de Jesus é revelado: salvar a humanidade do pecado. Não é uma salvação política ou militar, mas uma salvação espiritual.
3. O Cumprimento da Profecia de Isaías (v. 22-23)
Mateus, com sua frequente ênfase no cumprimento profético, cita Isaías 7:14: "Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e ele será chamado Emanuel, que significa: Deus conosco." Esta citação é crucial para o público judeu de Mateus, demonstrando que o nascimento de Jesus estava em plena conformidade com as Escrituras hebraicas.
"Virgem conceberá": Reforça a concepção sobrenatural.
"Emanuel, que significa: Deus conosco": Este nome teológico resume a essência da encarnação. Jesus é a própria presença de Deus entre a humanidade, trazendo consigo a salvação e a restauração da comunhão.
4. A Obediência de José (v. 24-25)
José, ao acordar, obedece prontamente à instrução do anjo, casando-se com Maria e não tendo relações com ela "até que ela desse à luz um filho". Sua obediência não apenas valida a narrativa divina, mas também serve como um modelo de fé e submissão à vontade de Deus, mesmo diante do inexplicável. O versículo 25 confirma o nascimento de Jesus e a preservação da concepção virginal até aquele ponto.
Conclusão Teológica e Exegética
Mateus 1 é uma declaração programática que estabelece as bases para todo o evangelho. Exegeticamente, Mateus demonstra a historicidade e a legitimidade da identidade messiânica de Jesus, enraizando-o na linhagem davídica e abraâmica e mostrando como sua concepção e nascimento cumpriram as profecias.
Teologicamente, o capítulo revela a natureza divina de Jesus através da concepção virginal e a confirmação de que Ele é "Deus conosco" (Emanuel). Ele é apresentado como o salvador prometido, cujo propósito é redimir a humanidade de seus pecados. A inclusão de mulheres com passados complexos na genealogia e a obediência de José sublinham a graça soberana de Deus que opera através de meios e pessoas inesperadas para cumprir Seus propósitos salvíficos. Mateus 1 nos convida a reconhecer em Jesus não apenas um personagem histórico, mas o Deus encarnado que veio para reconciliar o mundo consigo.
Que a história de Mateus 1 inspire sua fé, lembrando que a obra divina se manifesta em cada detalhe, conectando o passado profético ao presente da salvação, e que o "Deus Conosco" está sempre presente, transformando o impossível em esperança e vida.











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